Livro conta a história da Kuarup, gravadora que guarda coincidências guiadas por um clássico da MPB
Foi por meio de uma reportagem publicada pelo Estadão que o jornalista e empresário Alcides Ferreira soube que a gravadora Kuarup, que tinha no catálogo discos de nomes como Arthur Moreira Lima, Turibio Santos, Cartola, Paulo Moura, Pena Branca & Xavantinho, Xangai, Cartola e Cida Moreira, estava fechando as portas, em 2009.
Por AT Noticias 15/04/2025 às 21:36:40 - Atualizado há
Foi por meio de uma reportagem publicada pelo Estadão que o jornalista e empresário Alcides Ferreira soube que a gravadora Kuarup, que tinha no catálogo discos de nomes como Arthur Moreira Lima, Turibio Santos, Cartola, Paulo Moura, Pena Branca & Xavantinho, Xangai, Cartola e Cida Moreira, estava fechando as portas, em 2009.
Fundada em 1977 no Rio de Janeiro pelo jornalista Mario de Aratanha e pela artista gráfica Janine Houard, a empresa havia sucumbido à crise da indústria fonográfica, que, naquela época, ainda aprendia a lidar com o avanço dos canais digitais sobre o mercado musical.
Ferreira, àquela altura diretor de comunicação da BM&FBOVESPA, atual B3 - anteriormente, ele também trabalhou na Agência Estado -, decidiu comprar a Kuarup. O que ele sabia sobre como tocar uma gravadora? Absolutamente nada. Ele nem sequer conhecia os donos da Kuarup. Porém, gostava de música e, três anos antes, havia organizado uma associação de apoiadores da Orquestra de Câmara Paulista.
Alcides Ferreira, Adriana Del Ré e Mario de Aratanha contam a história da gravadora Kuarup
A história da Kuarup, que envolve sonhos, persistência, criatividade e paixão pela música - além de coincidências quase divinas -, agora é contada no livro Tocando em Frente - A História da Produtora Kuarup ou Sobre Como Sobreviver na Economia Criativa no Brasil, de Ferreira, Aratanha e da jornalista Adriana Del Ré. O livro será lançado nesta quarta-feira, 16 de abril, na Livraria Travessa do Shopping Villa Lobos.
O livro está dividido em duas partes. Na primeira, Aratanha narra, em primeira pessoa, a fase carioca da gravadora, de 1977 a 2009. A segunda, assinada por Del Ré, contempla a fase paulista da Kuarup, depois que ela foi adquirida por Ferreira.
O objetivo de Ferreira era justamente contar, ou, como ele prefere dizer, "passar a história da Kuarup adiante". "Eu acredito muito no poder do bom exemplo. E a Kuarup é um bom exemplo. Ela é uma demonstração cabal de que um grupo de pessoas pode mudar o rumo das coisas. E não ficar prostrado, esperando um patrocínio, um filantropo, algo muito comum na área cultural. Milagres, normalmente, não acontecem", diz o empresário.
"A história me surpreendeu. Eu não sabia como o Ferreira havia de fato adquirido a Kuarup. Ele estava em uma situação de vida muito confortável. E a gravadora estava em um momento difícil financeiramente. Ele decide, então, ir em frente, sem medo, tentando se aliar a pessoas que pudessem levar a história adiante", comenta Del Ré, que mergulhou em histórias e arquivos da gravadora.
Ferreira, sempre objetivo, tem uma explicação direta sobre o que o motivou. "Foi uma oportunidade que passou por mim, que achei que pudesse dar certo na minha mão e resolvi tentar. Não teve um chamado especial", diz. Segundo ele, seria "muito triste" ver o acervo que uma gravadora independente havia construído até aquele momento, com cerca de duzentos títulos, se perder - ou parar nas mãos de credores.
Ferreira talvez abstraia a parte subjetiva justamente pelo fato de a compra ter dado um bom trabalho. Naquele momento foi preciso foco. Para ficar com a Kuarup, Ferreira assumiu as dívidas que a empresa possuía, além de fazer o investimento necessário para que tudo pudesse andar novamente. "Foi feito o melhor negócio para o catálogo da gravadora, e não o melhor negócio para Aratanha e Janine. Eles foram muito compreensivos com a questão", admite. A história que se conta é que ele adquiriu tudo por R$ 1, um valor simbólico nesse tipo de transação.
Nas mãos do novo dono, a Kuarup não perdeu sua identidade. Ferreira teve a sensibilidade de não promover uma ruptura com a vocação da Kuarup a fim de sobreviver em um cenário constantemente problemático e que resulta em pouco retorno. Continuou a investir na dobradinha música popular e erudita - e caipira, já que o gênero, na música brasileira e na história da Kuarup, merece ser destacado. Foi com ele que a gravadora ganhou seu primeiro Grammy Latino, com Semente Caipira, de Pena Branca, em 2001.
Em um primeiro momento, fez um acordo com a Sony Music, uma major, com foco no relançamento de catálogo que durou até 2013. Foi nessa época, por exemplo, que voltaram ao mercado, em formato de CD, com distribuição nacional, álbuns importantes como Heitor Villa-Lobos – Os Choros de Câmara (1977), Ao Vivo em Tatuí, com Renato Teixeira & Pena Branca & Xavantinho (1992); Noites Cariocas – 15 anos depois – A Alegria do Improviso (2003); e Rolando Boldrin & Renato Teixeira (2005).
O cantor Ney Matogrosso grava para o álbum 'Cacaso 80 anos', lançado pela Kuarup em 2024
A fase paulista rendeu um sem número de álbuns de nomes como Chico Lobo, Alaíde Costa, Claudette Soares, Antonio Adolfo, Maria Alcina, Ayrton Montarroyos, Yamandu Costa, Sivuca, Joyce Moreno, Zé Geraldo, além de gravações de artistas como Chico Buarque, Ney Matogrosso e Edu Lobo.
Ao longo dos anos, a gravadora conseguiu ampliar suas áreas de interesse. Passou a ser também uma editora de livros, publicou as biografias de Geraldo Vandré, Taiguara e Hermeto Pascoal e a história de outra gravadora, a Forma, e tornou-se ainda produtora audiovisual - são dela os documentários A História Secreta do Pop Brasileiro, de André Barcinski, que está prestes a ganhar uma nova temporada, e Os 8 Magníficos, de Domingos de Oliveira.
"Ao contrário do que muita gente imagina, não precisa de muito dinheiro para fazer algo pela comunidade. A questão é que somos muito patrimonialistas, queremos fazer só para nós", afirma.
Os segredos de um sobrado em Pinheiros
Renato Teixeira e Fagner durante gravação do disco 'Naturezas' no estúdio da Kuarup, em foto feita para reportagem do Estadão
Alcides Ferreira crê, como disse anteriormente, que milagres não acontecem. No entanto, a fase paulista da Kuarup tem uma coincidência quase 'divina'. A primeira sede da gravadora em São Paulo foi em um prédio no centro da cidade, perto da Bolsa de Valores. A segunda, no bairro de Moema. Em 2013, se instalou em um sobrado no bairro de Pinheiros, que marcou também o início de uma fase mais próspera.
Nesse mesmo ano, o jornalista Rodolfo Zanke, braço-direito de Ferreira na gravadora, convidou o músico Renato Teixeira para conhecer a nova sede da gravadora. Ao chegar no sobrado, ele disse: "Morei aqui com meus pais", para surpresa de todos.
Mais do que isso: foi nessa casa, atualmente ampliada, com a aquisição do sobrado ao lado, que Teixeira compôs Romaria em 1974 - a música se tornaria sucesso em 1977, ao ser lançada por Elis Regina.
Com a reforma das casas, Ferreira construiu um pequeno estúdio, em uma espécie de porão, para que os artistas da gravadora pudessem utilizá-lo. Em 2021, Teixeira e Fagner se uniram no álbum Naturezas. Resolveram gravar no estúdio da Kuarup.
Ao ver o local escolhido por Ferreira para instalar o estúdio, Teixeira notou que era praticamente o mesmo no qual mantinha seu estúdio caseiro, ainda quando morava com os pais. E mais: Fagner revelou que foi nele que fez a audição de seu álbum de estreia, Manera Fru Fru, Manera, em 1973. O estúdio, como não poderia ser diferente, ganhou o nome de Renato Teixeira.
Renato Teixeira e seus pais, no sobrado em PinheirosAlcides Ferreira, Adriana Del Ré e Mario de Aratanha reproduzem a foto, na mesma porta
"Se você acredita em coincidências, fique só com elas. Se acredita em alguma energia, se é uma pessoa religiosa, pode levar para esse lado. Fico com as coincidências. Elas são incríveis mesmo", diz Ferreira, que, ao reler material que Adriana Del Ré havia escrito, e depois de fazer a edição e acréscimos, escreveu uma apresentação. Ao terminar de fazê-lo, assinou e se deu conta da data, que fez questão de deixar registrada no livro: 'São Paulo, 12 de outubro de 2024, dia de Nossa Senhora Aparecida'.
"São Paulo é enorme. Pinheiros também é grande. É impressionante! Eu não acredito em coincidência, mas também não sei explicar o que é. De qualquer forma, ela casa muito com a fase paulistana da Kuarup. Tinha que ser nesse local. Foi algo forte para o livro", opina Del Ré.
Cinco discos históricos da Kuarup
'Semente Caipira' - Pena Branca
O primeiro álbum do músico e seu irmão e parceiro, Xavantinho, foi vencedor na categoria melhor disco de música sertaneja no Grammy Latino de 2001. Uma joia que merece ser redescoberta.
Em 1984, o álbum uniu um timaço de músicos para tocar e contar histórias. Deu origem a uma série, além de um solo de Elomar, de 1995. Artista raro, atualmente está com 87 anos.
'Cartola Ao Vivo' - Cartola
Trata-se do registro ao vivo do último show do compositor carioca, que morreu em 1980. Gravado pelo produtor Pelão, traz o mangueirense cantando clássicos como Alvorada, As Rosas Não Falam e O Mundo é um Moinho.
'Heitor Villa-Lobos: A Floresta do Amazonas' - João Carlos Assis Brasil
Villa-Lobos talvez seja uma espécie de 'padrinho' da Kuarup, que generosamente sempre olhou sua obra. Aqui, traz uma de suas últimas composições do maestro, inicialmente feitas por encomenda da MGM, mas que foram transformadas por ele mesmo em uma suíte sinfônica.
'Ao Vivo em Tatuí' - Renato Teixeira & Pena Branca & Xavantinho
Renato Teixeira não poderia ficar de fora da seleção. Nesse álbum, junto dos músicos Pena Branca & Xavantinho, traz o fino da música caipira, nos registros de canções como O Cio da Terra, Cálix Bento e Tocando em Frente.
Tocando Em Frente: A História da Produtora Kuarup ou Como Sobreviver Na Economia Criativa no Brasil
Autores: Mário de Aratanha, Adriana Del Ré e Alcides Ferreira
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