Guarda com poder de polícia: veja vantagens e desvantagens das mudanças

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em fevereiro que os municípios brasileiros têm competência para instituir que as guardas civis municipais atuem em ações de segurança urbana.

Foto de AT Noticias Por AT Noticias
12/03/2025 às 10:54:43 - Atualizado há

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em fevereiro que os municípios brasileiros têm competência para instituir que as guardas civis municipais atuem em ações de segurança urbana. A corporação ganha aval expresso para operar de forma semelhante à Polícia Militar, com policiamento ostensivo, patrulhamento e buscas pessoais, fazendo revista de suspeitos.

O entendimento divide opiniões, além de criar indefinições sobre o que ocorrerá na prática. Em São Paulo, logo após a decisão, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) anunciou uma primeira medida: a troca do nome Guarda Civil Metropolitana (GCM) para Polícia Metropolitana. A votação da proposta é prevista para este mês na Câmara Municipal.

Por um lado, guardas e prefeitos de grandes cidades afirmam que o policiamento ostensivo já vinha sendo feito no dia a dia, em um cenário de necessidade de reforçar patrulhas em algumas regiões. Para eles, a decisão dá ainda segurança juridica a abordagens e prisões feitas pelas corporações municipais.

Por outro, pesquisadores e representantes de PMs afirmam que a medida pode enfraquecer outras atribuições das guardas (como fiscalizar comércios e proteção do patrimônio) e causar uma escalada do uso político das corporações.

Guarda Civil Metropolitana (GCM) de São Paulo durante operação nos arredores da estação da Luz, na região central da capital.

Quais foram as primeiras mudanças após a decisão do STF?

Assim que a decisão do STF saiu, no dia 20, prefeitos de diferentes cidades começaram a anunciar as primeiras mudanças nas guardas, a começar pelo nomes. A Câmara Municipal de Itaquaquecetuba, na Região Metropolitana de São Paulo, aprovou já no último dia 25 a mudança de nome de guarda para Polícia Municipal. A troca foi feita a pedido do prefeito, o delegado Eduardo Boigues (PL).

Um dia depois, foi a vez do Legislativo de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, aprovar a troca de nome. "A mudança vai muito além do nome. O principal objetivo é garantir mais segurança jurídica para as operações policiais e, consequentemente, gerando mais segurança para a população da nossa cidade", declarou o prefeito Marcelo Lima (Podemos). Além de São Paulo, Guarulhos também caminha na mesma direção.

Especialistas ouvidos pela reportagem veem as mudanças com ressalvas. "A ampliação das competências das guardas acontece por uma demanda por mais policiais nas ruas, e isso é até difícil de questionar", diz José Carlos Abissamra Filho, advogado criminalista e doutor em Direito Penal pela PUC-SP.

"A questão é: esse é o melhor modelo? Não seria melhor que a Guarda Civil Metropolitana exercesse a atividade destinada pela Constituição Federal de forma que a Polícia Militar focasse naquelas cuja especialidade ela tem?", questiona.

Para ele, o fato de o País ter mais de 5,5 mil municípios torna a situação mais complexa e abre brecha para possível perda de qualidade na produção de provas. Abissamra Filho cita que também vê risco de uso político dessas corporações.

O que deve mudar na atuação da GCM de São Paulo?

Para Orlando Morando, secretário municipal da pasta da Segurança Urbana de São Paulo, um dos principais ganhos com a decisão do Supremo é que a guarda da capital paulista deverá ampliar, agora com maior segurança jurídica, revistas de potenciais suspeitos.

"A GCM praticava algumas ações que eram questionadas (juridicamente). A partir da decisão, não há mais questionamentos. Ela (a decisão do STF) também ampliou algumas ações que podem ser feitas", diz ao Estadão. "Hoje a GCM pode deliberadamente fazer a abordagem de um veículo e revistar esse carro."

  • Há pouco mais de dois anos, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia decidido que só em "situações excepcionais" a guarda poderia realizar a abordagem de pessoas e a busca pessoal. Essas ações deveriam ser feitas apenas em casos em que se mostrasse diretamente relacionadas à finalidade da corporação.
  • Na época, o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmou que a atuação das guardas deveria se limitar à proteção de bens, serviços e instalações das cidades. Para o colegiado, por não estar entre os órgãos de segurança previstos pela Constituição a corporação não poderia exercer atribuições das polícias Civil e Militar.
  • Já em 2024 a Justiça decidiu que a guarda não deveria participar de operações policiais na Cracolândia, no centro. Conforme a decisão, que vedava sobretudo o uso de bombas de gás lacrimogêneo e tiros com bala de borracha, ações policiais eram "típicas de polícia repressiva e sob formação militar".

"A decisão do STF referendou o papel de polícia da GCM, foi extremamente importante", afirma Morando, que espera mudanças graduais. "Vamos aplicar de maneira paulatina, sem ansiedade. Não tiramos o freio dos guardas desde que houve a decisão do STF. Haverá controle, mas também uma atuação mais ampla", afirma.

"É natural que a gente vá ampliar dentro da academia da GCM o aprimoramento, isso será feito, mas a GCM já tem preparo para esse modelo de abordagem", continua secretário.

Quais tipos de cidades devem ser mais impactadas?

Na avaliação de Ramon Soares, vice-presidente da Associação dos Guardas Municipais (AGM), a decisão não deve impactar tanto na forma como as corporações atuam em grandes centros urbanos. "A vida funcional dos guardas que trabalham em cidades da região metropolitana de São Paulo não muda em absolutamente nada", diz. "É um trabalho (policiamento ostensivo) que já fazem."

Para ele, cidades menores devem ser mais afetadas, em uma espécie de "interiorização" das corporações. "Alguns prefeitos vão ter o disparate de querer aumentar efetivo e também de criar guardas municipais, por estarem vendo que o STF 'bateu o martelo'", disse. "Vão entender que a guarda se tornou polícia."

Soares afirma que a atuação mais ampla das guardas até pode ser benéfica, especialmente por permitir que governadores direcionarem policiais para situações mais complexas e que haja maior segurança em cidades com menor número de PMs. Mas reconhece a necessidade de cuidado quanto a possíveis extrapolações.

A tese aprovada pela Corte define que as guardas podem exercer ações de segurança urbana, mas não de investigação criminal. A atuação fica limitada às instalações municipais, em cooperação com os demais órgãos de segurança pública, como as polícias Civil e Militar, e sob a fiscalização do Ministério Público.

'Caveirão' da Guarda Municipal de Campinas, no interior de São Paulo.
'Caveirão' da Guarda Municipal de Campinas, no interior de São Paulo.

Hoje são quantas guardas no Brasil? Elas estão aumentando?

Ao longo das últimas duas décadas o País tem intensificado a municipalização da segurança pública, com reflexos nos bairros, nas cadeias e nos tribunais de Brasília. O fenômeno está expresso no surgimento e no fortalecimento de guardas civis em cidades de todos os tamanhos, de Norte a Sul do Brasil.

Entre 2019 e 2023, aumentou em 11,3% no número de municípios que implementaram a Guarda Municipal - de 1.188 para 1.322, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Como mostrou série de reportagens do Estadão, as guardas são tropas pouco fiscalizadas, atreladas à vontade política de prefeitos e com uma maioria que não segue a legislação.

Com o vácuo da fiscalização, despontam casos de corrupção. No ano passado, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) denunciou quatro guardas civis metropolitanos sob acusação de que eles teriam formado uma milícia na região da Cracolândia, exigindo de comerciantes uma "taxa de proteção" ou "segurança privada".

Em paralelo, a Promotoria também acusou mais três guardas civis e dois investigados pela venda ilegal de armas de fogo, munições e dispositivos, inclusive fuzis.

Na época, a reportagem não conseguiu localizar os acusados nomeados pelos promotores ou seus defensores. Quando as primeiras suspeitas surgiram em 2022, tanto a Prefeitura quanto a secretaria informaram que iam apurar o caso.

Quais efeitos negativos as mudanças podem gerar?

Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Paula Ballesteros afirma que, mais do que atender a um diagnóstico das necessidades da sociedade em relação à segurança, "a modificação que foi feita, e a oportunidade que se dá aos municípios, na verdade cria outros problemas" na área, como o enfraquecimento de outras atividades realizadas pelas guardas.

Uma das áreas invisibilizadas, citam pesquisadores, são as destinadas a combater casos de violência contra mulher. São crimes que têm crescido nos últimos anos e que normalmente acontecem dentro de casa – ou seja, onde o policiamento ostensivo não tem efeito direto, mas, sim, medidas específicas.

Em Santo André, por exemplo, há um botão de acionamento rápido de socorro para vítimas de violência doméstica que funciona em um aplicativo. Chamado ANA, ele é baixado no celular da mulher por equipes da Patrulha Maria da Penha, da Guarda Civil, mediante apresentação da medida protetiva judicial.

"No contexto da criminalidade organizada, muito evidente no País, toda a proposta de segurança pública se volta para o uso da força ou para o aumento da força ostensiva", diz Paula. "Ficam diversas áreas descobertas, que a guarda poderia cobrir a partir do que determina o Estatuto das Guardas Municipais. Mas, nessa lógica de lei e ordem, somem."

Qual é a avaliação de representantes das Polícias Militares?

Representantes dos oficiais das Polícias Militares pretendem apresentar recurso contra a decisão do Supremo.

Em nota, a Federação de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme) disse que iria, na condição de amicus curiae no processo, "opor embargos de declaração para esclarecer, complementar ou corrigir eventuais obscuridades, contradições, lacunas ou erros materiais existentes na decisão".

Há ressalvas também direcionadas a possíveis mudanças de nome das guardas. Ao Estadão, o comandante da PM de São Paulo, coronel Cássio Araújo de Freitas, rebateu a ideia de rebatizar a GCM paulistana como Polícia Metropolitana ou Municipal. "Não vejo razão técnica para alterar nome de instituição", afirmou.

Já a Defenda PM, associação que reúne oficiais militares do Estado, afirmou, em publicação nas redes sociais, que o prefeito "decidiu atropelar a Constituição e desrespeitar as instituições" ao anunciar a troca de nome da guarda.

"Essa manobra política não apenas gera confusão na população, mas também afronta o artigo 144 da Constituição", afirma a entidade. O artigo aponta que "compete aos Estados, na forma fixada em lei estadual, a apuração das infrações penais, a preservação da ordem pública, a execução de atividades de defesa civil, os serviços penitenciários e de bombeiros".

O texto acrescenta ainda que os Municípios "poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, podendo, ainda, exercer funções de segurança pública da competência dos Estados, na forma fixada em lei estadual, assim como serviços de bombeiro".

Quais as propostas recentes para as guardas de Rio e SP?

A segurança pública tem sido uma das principais bandeiras da gestão Ricardo Nunes, que tem buscado dar ampla divulgação sobretudo para os resultados obtidos com o Smart Sampa, programa de câmeras com reconhecimento facial da gestão municipal.

Recentemente, a Prefeitura inaugurou o "Prisômetro", painel instalado no centro com o objetivo de ser um novo instrumento de transparência do Smart Sampa. A ideia é atualizar em tempo real o número de foragidos da Justiça capturados, de presos em flagrante e de desaparecidos encontradas.

"Se pegar dados do 'Prisômetro', os trabalhos do Smart Sampa, onde a gente colocou 719 foragidos dentro da cadeia, eles foram presos pela Guarda Civil Metropolitana. Isso sem dar um tiro", disse na semana passada. "Com isso a gente demonstra que é possível fazer uma polícia municipal preparada."

Guarda Municipal do Rio de Janeiro: força desse tipo se multiplicou pelos municípios do País no últimos anos.
Guarda Municipal do Rio de Janeiro: força desse tipo se multiplicou pelos municípios do País no últimos anos.

No Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes (PSD) anunciou na quinta-feira, 6, que iria retirar da Câmara de Vereadores o projeto de lei que criaria uma força de segurança da capital fluminense. A nova proposta será rebatizar a Guarda como Força Municipal de Segurança.

"Esse projeto vai dispor sobre essa transformação da Guarda Municipal na Força de Segurança, além de deixar muito claro que o papel dessa nova força passa a ser também de policiamento ostensivo e preventivo na forma do entendimento do STF", anunciou Paes. Está prevista ainda uma "divisão de elite", conforme o prefeito.

"Uma das grandes preocupações dos brasileiros, que pesquisas e as últimas eleições têm mostrado, é a segurança", afirma Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Mas ela avalia ser comum que gestores se precipitem ao querer mostrar mudanças. "A guarda poderia inovar, fazer diferente e melhor. Mas enquanto quer ser igual, perde oportunidade de se posicionar de forma diferenciada no campo (da segurança pública)", afirma. "Só guarda, polícia e mais gente na rua não vão resolver o problema."

Fonte: Nacional
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