Em 24 de janeiro de 2022, Moïse Kabagambe, jovem congolês refugiado no Brasil, foi brutalmente assassinado em um quiosque na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. O motivo: exigir o pagamento de duas diárias pelo trabalho já realizado. Sua morte expõe uma sociedade que se propõe acolhedora, mas explora trabalhadores imigrantes, nega-lhes direitos e os condena à violência extrema.
Moïse Kabagambe chegou ao Brasil em 2011, ainda criança, fugindo da guerra e da violência que assolavam a República Democrática do Congo. Com sua família, buscou refúgio no país na esperança de uma vida digna e segura. Sua mãe, Ivonne, resumiu a tragédia que se sucedeu: "Fugimos do Congo para que não nos matassem. Mas mataram meu filho aqui".
Desde cedo, Moïse se dedicou ao trabalho para ajudar no sustento da casa. No quiosque onde foi assassinado, prestava serviços "cardapeando" na praia. Ou seja, oferecendo aos banhistas os produtos do quiosque, a fim de receber uma diária e comissão pelas vendas.
Na sua individualidade, sua história se entrelaça com a de tantos outros trabalhadores precarizados, submetidos a condições análogas à escravidão. Um relatório da UERJ[1] sobre o caso evidencia como a violência contra trabalhadores imigrantes negros se insere em uma estrutura racista e xenofóbica, que os relega aos postos mais vulneráveis e os descarta sem piedade. Moïse era um desses trabalhadores. Fugiu da guerra no Congo buscando segurança, mas no Brasil sequer teve seu direito à vida respeitado.
A violência que destruiu a vida de Moïse e de sua família não pode permanecer impune. Os acusados do homicídio, Fábio Pirineus da Silva e Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, serão julgados pelo Tribunal do Júri; o acusado Brendon Alexander Luz da Silva não será julgado nessa sessão, pois responde a um processo desmembrado, por ter recorrido da decisão de pronúncia, que também o submetia ao júri. Além deles, outras quatro pessoas que presenciaram o espancamento sem interferir foram denunciadas pelo Ministério Público por omissão, e também têm seus processos tramitando.
O reconhecimento da gravidade do crime pela Justiça é um passo essencial, mas insuficiente para reparar as marcas desse ato brutal. O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, está empenhado na busca pela reparação integral, conforme definido pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos e interpretado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Essa reparação envolve não apenas a responsabilização dos culpados, mas também medidas que garantam a memória, a verdade e a não repetição, assegurando direitos às vítimas e suas famílias. A DPRJ atuará como representante da assistente de acusação, a mãe de Moïse, Ivonne, acompanhando de perto o julgamento e contribuindo para a busca de justiça.
A exploração de trabalhadores imigrantes e refugiados é uma realidade que deve ser enfrentada com urgência. A violência que matou Moïse não é um caso isolado, mas um sintoma de um país que ainda permite que a cor da pele e o passaporte definam quem terá acesso a um trabalho digno e quem será descartado quando exigir seus direitos.
O julgamento do caso Moïse será um marco em que deverá se afirmar que a vida de um jovem congolês deve ser respeitada e que devemos proteger e garantir seus direitos. O nome de Moïse deve ecoar como um chamado por justiça e por uma sociedade mais justa e menos indiferente à dor dos imigrantes e refugiados que aqui buscam um novo lar.
[1] https://www.uerj.br/noticia/a-patria-acolhedora-que-mata-imigrantes-negros-o-caso-do-congoles-moise-kaba gambe/
Fonte: Política